Nódulos na Tireoide: uma pandemia evitável que custa caro para a Saúde Suplementar.

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Nódulos na Tireoide: uma pandemia evitável que custa caro para a Saúde Suplementar.

Segundo a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabolismo), cerca de 60% dos brasileiros vão identificar um nódulo na tireoide em algum momento da vida. Alguns estudos mostram que se pegarmos uma população aleatória, sem sintomas, de forma randômica e consecutiva, e fizermos um exame de ultrassom da tireoide, até 68% das pessoas vão ter um nódulo. E este fenômeno não é uma exclusividade do Brasil. O aumento no número de casos tem sido relatado em todo o mundo.

Seria isso uma pandemia?

A má notícia é que a resposta é sim! Mas ao que tudo indica, não se trata de uma pandemia da doença e sim de desperdícios de recursos, causada pelo uso indiscriminado de exames e intensificada pelas limitações técnicas e incertezas diagnósticas das ferramentas atuais.

É consenso na literatura médica: o aumento no número de casos de nódulos de tireoide (e consequentemente de câncer de tireoide) é fruto do “overdiagnosis”. Isso significa que, apesar do crescimento assustador no número de casos nas últimas décadas, a mortalidade não se alterou e mantém-se na mesma proporção de sempre. Ou seja, estes nódulos sempre estiveram lá, porém antes não eram diagnosticados!

O avanço na sensibilidade e na acurácia do ultrassom ao longo do tempo, somado ao aumento do seu uso “de rotina”, resultou no aumento exponencial do número de diagnósticos sem que o número de óbitos tenha se alterado. Isso significa que quase todo mundo morre COM um nódulo na tireoide, mas pouquíssimas pessoas morrem DE um nódulo (câncer) na tireoide.

E essa identificação precoce é o início de uma jornada com adjetivos não muito agradáveis: angustiante, cara e…evitável! É o perde, perde, perde. Perde o paciente, perde o médico e perde o sistema de saúde.

Toda vez que o diagnóstico de uma doença causa mais problemas ao paciente do que a própria doença diagnosticada, precisamos repensar o manejo. Não existe almoço grátis. O recurso é limitado e finito e quando é desperdiçado, alguém que realmente precisaria, vai ficar sem.

Diversas sociedades médicas em todo o mundo estão alertando já a algum tempo: ultrassom de tireoide NÃO é exame de rotina! Os equipamentos de hoje conseguem detectar nódulos de 2mm e quase 80% dos nódulos identificados são benignos. Ultrassom de tireoide deve ser solicitado apenas aos pacientes com nódulo palpável ou com outras alterações detectadas no exame físico ou como forma de complementação diagnóstica.

Porém os diversos check-ups oferecidos de forma indiscriminada, para pacientes sem nenhuma indicação, identificam nódulos que nunca trariam qualquer problema ao paciente. E aqui é dada a largada a uma cascata de desperdícios que sufoca o sistema de saúde e não trás benefícios ao paciente. A literatura sugere que entre 34% a 46% dos exames de ultrassom de tireoide são inapropriados. Uma consulta à base de dados da ANS mostra que são feitos cerca de 2 milhões de exames de ultrassom de tireoide por ano pela saúde suplementar no Brasil ao custo médio de R$ 64,26 cada. Em uma conta rápida, desperdiçamos por ano algo entre R$ 44 e 60 milhões de reais na saúde suplementar do Brasil somente com ultrassom de tireoide inapropriados.

Identifiquei um nódulo na tireoide, e agora?

Entramos agora no segundo passo da jornada de desperdícios. Por limitações da técnica, o ultrassom ainda não é capaz de diagnosticar se um nódulo é benigno ou maligno. Mas pode dar muitos indícios de o que deve ser feito. Tamanho, ecogenicidade, margens, histórico familiar e pessoal são ótimos parâmetros para saber qual o próximo passo que, na maioria das vezes, é não fazer mais nada. Parar por aqui. Devemos seguir a investigação e fazer a “tal da PAAF” (uma punção do nódulo feita com uma agulha fina, para análise do conteúdo do nódulo)?

Nem todo nódulo deve ser puncionado.

Por exemplo, nódulos menores de 1cm, salvo raríssimas exceções, não devem ser puncionados. Nódulos sem características que sugiram agressividade, não devem ser puncionados. Vejo que no sistema público (SUS) este ponto é um pouco mais “respeitado”, principalmente pela dificuldade de agendamento do procedimento e demora. Mas na saúde suplementar, a PAAF de tireoide virou rotina!

Seguimos nesta jornada desnecessária e agora o paciente recebeu o resultado da punção. E lá vem mais desperdício de tempo, de ansiedade e de recursos.

Cerca de 70% dos resultados da PAAF vão diagnosticar nódulos benignos. O que é uma ótima notícia para o paciente (mas que poderia ter sido evitado caso o ultrassom desnecessário, seguido da PAAF desnecessária não tivessem sido feitos!). Para estes pacientes, vida relativamente normal. Para o sistema de saúde, custos para o resto da vida deste paciente, afinal este nódulo deve ser observado minimamente anualmente no início, com intervalos maiores caso não haja nenhuma evolução suspeita neste acompanhamento. Mais ultrassom e, muitas vezes, mais PAAFs estão por vir!

Na outra ponta, cerca de 10% dos casos vão ter o diagnóstico de câncer. “Câncer Maligno”. Essa palavra tão pesada, tão cheia de estigmas e que trás tantas dúvidas e emoções que, muitas vezes, poderia ter sido evitada. Você sabia que mais de 80% dos microcarcinomas diferenciados de tireoide (ou seja, menores de 1cm), não evoluem? Ficam ali, quietos e tranquilos. O “saber” que tem câncer muitas vezes causa muito mais problemas ao paciente que o câncer de tireoide em si. Parece polêmico e até um pouco dual e paradoxal, mas o diagnóstico precoce do câncer de tireoide, muitas vezes, não é algo bom!

A grande maioria dos cânceres de tireoide são indolentes e pequenos. Se não tivessem sido diagnosticados, não trariam nenhum problema ao paciente. E aqueles poucos que são mais agressivos e que realmente precisam de um diagnóstico precoce, não serão “perdidos”, pois no momento certo, na mão do profissional certo, eles serão identificados.
Parece “cruel” e até mesmo “desumano”, mas se você utiliza o sistema de saúde público ou tem plano de saúde privado, a regra é clara: o recurso é finito e seu uso deve ser COLETIVO. Não estou aqui dizendo que isso é certo ou que isso é errado, estou apenas apresentando um dado de realidade. É assim no mundo real e precisamos otimizar o seu uso, evitando desperdícios.
E voltando ao mundo real, estes nódulos malignos são tratados com cirurgia. Retira-se a glândula tireoide (totalmente ou parcialmente) e o problema estará resolvido em mais de 90% dos casos. Resolvido para o paciente que está curado, mas não para o sistema de saúde, que ainda vai gastar bastante com esse paciente se aquele ultrassom lá atrás tivesse sido evitado!

E, por fim, temos cerca de 20% dos casos que a PAAF é indeterminada. Ou seja, não é possível classificar o nódulo como benigno ou maligno.Isso é uma limitação da técnica, uma incerteza diagnóstica clássica.

E o que acontece então com estes pacientes? São submetidos à cirurgia diagnóstica, ou seja, nós retiramos a tireoide deste paciente para saber se ele tem câncer ou não. E, em quase 80% destes casos, o resultado da cirurgia revela um nódulo benigno. E é neste ponto que muitos dos meus amigos Cirurgiões de Cabeça e Pescoço ficam bravos quando chamo essa cirurgia de “desnecessária”. Ela é desnecessária não porque o cirurgião é uma pessoa má e só quer operar. Ela é desnecessária pois temos aqui um acúmulo de procedimentos anteriores desnecessários e temos uma limitação da PAAF que não conseguiu identificar um nódulo benigno antes da cirurgia! E nem vou entrar aqui no mérito (e nas limitações!) dos testes moleculares!

Das cerca de 16 mil tireoidectomias realizadas por ano na saúde suplementar no Brasil, cerca de 2.000 são por nódulos malignos e 14 mil por nódulos indeterminados, das quais cerca de 11 mil são desnecessárias. O custo médio de uma tireoidectomia na saúde suplementar, sem contar o uso de monitorização de nervo laríngeo recorrente, é de cerca de R$ 12 mil reais. São cerca de R$ 132 milhões de reais gastos com cirurgias que poderiam ser evitadas caso exames desnecessários fossem evitados e novas tecnologias diagnósticas, como os testes moleculares, fossem utilizados. Veja só o que um ultrassom despretensioso, simples e “barato” pode causar: pode gerar um paciente crônico para o sistema de saúde, que fez ultrassom, fez PAAF e fez cirurgia para no fim identificar um nódulo benigno! Este paciente, agora sem tireoide, precisa de reposição hormonal para o resto da sua vida, pode ter danos no seu nervo laríngeo recorrente (e problemas de rouquidão e fala), além do tão temido (para todos!) hipoparatireoidismo. O diagnóstico da doença, foi MUITO pior que a própria doença. E o desperdício de recursos (repito, finito) ralo abaixo deixa todo o sistema de saúde ainda mais ineficiente e sufocado.

A boa notícia é que grande parte deste problema pode ser evitado. A ciência e novas tecnologias podem ajudar nas incertezas diagnósticas de forma mais acurada. Mas não é fácil resolver essa equação, precisamos de muita educação médica, e conscientização também do usuário do sistema de saúde. Precisamos entender que não pedir exames muitas vezes é cuidar mais da nossa saúde do que um batalhão de exames desnecessários. A chave é termos o exame certo, no momento certo.

Seria isso cultural?

Como a saúde suplementar pode, enquanto parte,
orquestrar essa mudança? Quem precisa
participar?

Sugiro a todos lerem sobre a fantástica campanha da SBEM, “Quando menos é mais”, para refletirmos em conjunto uma solução que, no fim do dia, beneficie O PACIENTE.

https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1754-9485.13161
https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/ct.2022%3B34.23-25
https://jamanetwork.com/journals/jamasurgery/fullarticle/2769328
https://www.medpagetoday.com/endocrinology/thyroid/88036
https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiZGNhYzc1OWQtNGNkMS00ZmJiLThjYzEtYjdmNjBkYTRmNjE0IiwidCI6IjlkYmE0ODBjLTR
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