Câncer de Orofaringe

A orofaringe é a projeção da boca na faringe. Em termos gerais, correspondem às regiões anatômicas mais posteriores da cavidade oral. Estruturas como palato mole e úvula (campainha), amígdalas, base da língua (parte de trás da língua) além de outras, fazem parte da orofaringe.

Apesar de ser uma região anatômica muito próxima da cavidade oral, a sua embriologia, tratamento e comportamento dos tumores  é bastante distinta. Por isto, é fundamental determinar a localização exata que um tumor se iniciou.

A orofaringe, é a via comum por onde se passam os alimentos e o ar da respiração. Tem papel muito importante em evitar que os alimentos subam para o nariz e projetar o bolo alimentar para hipofaringe e esôfago.

A grande maioria dos cânceres da orofaringe são do tipo carcinoma de células escamosas.  Este tumor sempre foi relacionado ao consumo de tabaco e álcool, mas há alguns anos, vem sendo cada vez mais associado à infecção do vírus HPV (vírus do papiloma humano) como fator que gera o câncer. Muitas vezes há a presença tanto do HPV, como tabagismo e etilismo, mas os tumores que são principalmente associados  à infecção do HPV, tem melhor evolução que os relacionados ao tabagismo e etilismo.

Quais são os sinais e sintomas?

Os tumores da orofaringe podem causar dor de garganta, dor de ouvido (otalgia) e  em casos mais avançados, dificuldade de deglutir e respirar.

A lesão tumoral costuma ser uma ferida ulcerada, mas nesta região nem sempre isto ocorre, podendo haver lesões que abaúlam a mucosa íntegra das estruturas como amígdalas e base da língua.

É muito comum nos tumores de orofaringe apresentar metástases para os linfonodos do pescoço (caroços na lateral do pescoço), até mesmo em tumores pequenos.

O aparecimento de uma metástase cervical sem um tumor primário definido sempre nos leva à necessidade de afastar um câncer da orofaringe.

Como é feito o diagnóstico e a investigação (quais os exames mais pedidos)?

Anátomo patológico (biópsia)

Somente é possível dar o diagnóstico de um câncer desta região após uma biópsia da lesão suspeita. Esta biópsia pode ser feita em consultório, mas devido ao incômodo de examinar e acessar esta região pode ser necessária uma biópsia sob anestesia geral, particularmente em lesões da base da língua.

Após ter sido determinado que o tipo histológico é carcinoma de células escamosas, é fundamental e obrigatório atualmente realizar o exame complementar de imuno-histoquímica para P16 no material da biópsia. Este exame consiste em fazer uma coloração específica nas lâminas de biópsia que determinam se este tumor tem associação com a infecção de HPV.

Somente é possível realizar o estadiamento correto do tumor após a determinação do status de P16 do paciente.

Exames de imagem

Para se ter uma melhor avaliação do acometimento destes tumores, serão necessários exames de imagem.

Tomografia computadorizada

Exame de mais fácil acesso e execução, é muito importante na avaliação da extensão do tumor como possível invasão óssea da mandíbula. permitindo o correto estadiamento tumoral. Avalia tanto a invasão do tumor local como a presença de metástases em linfonodos do pescoço.

Ressonância magnética

Avalia de forma superior à tomografia o acometimento tumoral dos nervos cranianos, assim como invasão de partes moles e base da língua que pode não ser claramente mostrado na tomografia. Devido a ser um exame com execução bem mais demorada que a tomografia, nem sempre é solicitado de rotina como primeira opção.

PET-scan

Utilizado principalmente em casos de suspeitas de metástases a distância e para comparar a presença de tumor pré e pós tratamento, ajudando a elucidar imagens equívocas nos exames de imagem anteriormente citados.

Qual o tratamento?

Linha geral de tratamento

O tratamento do câncer de orofaringe vem apresentando tendências atuais de tratamentos não cirúrgicos com radioterapia e quimioterapia, mas o tratamento cirúrgico também pode ser indicado. Isto se deve a vários motivos como:

  • grande parte dos pacientes submetidos a cirurgia já tem indicação de se realizar radioterapia adjuvante
  • o câncer de orofaringe relacionado ao HPV tem excelente resposta à radioterapia
  • as cirurgias de tumores de orofaringe, principalmente avançados, causam grande morbidades podendo ocasionar sequelas de deglutição e fala
  • os tratamentos com protocolos de preservação de órgãos com radioterapia e quimioterapia têm resultados oncológicos semelhantes à cirurgia

Cirurgia

A cirurgia ainda é um tratamento importante e desejável nas seguintes situações:

  • Quando a cirurgia não causará grandes sequelas
  • Quando a cirurgia pode não necessitar de radioterapia adjuvante ou reduzir a dose ou campo de radioterapia
  • Em tumores avançados, particularmente com invasão óssea, que respondem menos à radioterapia
  • Em pacientes que não podem receber o tratamento com quimioterapia
  • Em situações de falha do tratamento com quimioterapia e radioterapia

Nos tumores iniciais, sem metástases no pescoço podem ser tratados com radioterapia ou cirurgia isoladamente.

Em tumores intermediários, cujos tumores locais são pequenos, mas já apresentam metástases no pescoço, existe a possibilidade de tratamentos cirúrgicos ou não cirúrgicos

Em tumores avançados, mas com tratamento cirúrgico com grande morbidade, o tratamento não cirúrgico costuma ser indicado

Já tumores muito avançados, com invasão óssea, é necessário optar por um tratamento cirúrgico radical com intuito curativo, porém mórbido ou por um tratamento não cirúrgico, com pequena probabilidade de cura.

Vários estudos estão ocorrendo em todo o mundo no intuito de tentar diminuir a dose de radioterapia, particularmente em câncer relacionado ao HPV, pois estes casos costumam ter melhor evolução

A cirurgia do câncer de orofaringe evolui muito nos últimos anos devido à incorporação de novas tecnologias de visualização e acesso aos tumores.

A orofaringe é um local de difícil acesso para realizar uma ampla ressecção cirúrgica com margens de segurança por um acesso endoral (pela boca) simples. Por este motivo, há alguns anos atrás era frequente a necessidade de acessos à orofaringe que necessitavam incisões na face e pescoço e até secção da mandíbula para a exposição das estruturas da orofaringe. Estes acessos exigem frequentemente a utilização temporária de traqueostomia e de uma via alternativa de alimentação com sonda enteral ou gastrostomia. 

Atualmente é menos frequente a necessidade destes acessos, porém eles podem ser necessários, particularmente em cirurgias de resgate pós radioterapia.

Com o aprimoramento das óticas, afastadores especializados e a implementação da cirurgia robótica, hoje é possível realizar ressecções endorais amplas, com margens  e de forma bastante segura. Isto minimiza os problemas pós-operatórios e facilita a reabilitação de fala, respiração e deglutição.

Além da cirurgia do tumor da orofaringe, é mandatório tratar o pescoço pois frequentemente ele apresenta metástases para os linfonodos cervicais. O racional para o tratamento cirúrgico do pescoço é que antes da radioterapia todos os pescoços devem ser submetidos ao esvaziamento cervical, mas após a radioterapia apenas os casos que apresentem forte suspeita de doença residual nos linfonodos cervicais.

Radioterapia

O tratamento com radioterapia costuma ser indicado sempre na orofaringe e na drenagem dos linfonodos do pescoço, frequentemente de forma bilateral.

As técnicas mais atuais de radioterapia permitem que sejam poupadas da radiação algumas estruturas anatômicas que podem causar sintomas de boca seca e dificuldade de engolir. Esta técnica é denominada IMRT e auxilia em muito a evitar sequelas da radioterapia.

A radioterapia como modalidade isolada de tratamento é adequada para o tratamento de tumores em estágios iniciais, já nos tumores avançados a associação com quimioterapia é mandatória para serem obtidos resultados oncológicos equivalentes a cirurgia e radioterapia.

Durante o tratamento com radioterapia pode ocorrer inflamação da mucosa da boca e o aparecimento de feridas na pele do pescoço.

Quimioterapia, imunoterapia e drogas alvo

A quimioterapia é utilizada sempre como um complemento ao tratamento principal curativo e não isoladamente em câncer de orofaringe. A quimioterapia, sem outros tratamentos, é normalmente um tratamento paliativo.

A quimioterapia em câncer de orofaringe pode ser utilizado das seguintes formas:

neoadjuvante: quando é realizado antes do tratamento principal. Muitas vezes é utilizada uma combinação de drogas, que no câncer de seios paranasais têm o principal objetivo de reduzir o tamanho do tumor antes da cirurgia e consequentemente reduzir a morbidade e sequelas do tratamento cirúrgico. Para alguns tumores específicos, pode reduzir a taxa de metástase à distância.

adjuvante: é realizada de forma complementar ao tratamento principal cirúrgico, quase sempre acompanhada da radioterapia. Em alguns tipos mais raros de tumores, pode ser aplicada isoladamente.

concomitante: nas situações onde não é possível ou desejável realizar cirurgia, a quimioterapia pode ser aplicada de forma concomitante (em conjunto) à radioterapia.

paliativa: a quimioterapia pode ser utilizada como um tratamento paliativo quando pretende-se evitar o crescimento do tumor que não pode ser curado para amenizar sintomas ou para tratar tumores já com metástases à distancia.

A quimioterapia convencional costuma ser indicada em câncer de orofaringe nas seguintes principais situações:

  • em câncer avançado que não é possível ou desejável ser operado;
  • em câncer inicial cuja proposta de tratamento será não cirúrgica, associada a radioterapia;
  • em câncer submetido a cirurgia com ressecção com margens comprometidas;
  • em metástases para os linfonodos do pescoço que invadem as regiões adjacentes;
  • em pacientes com metástases a distância.

Terapia alvo e imunoterapia costumam ser utilizadas quando não é possível utilizar quimioterapia convencional, somente superando os resultados oncológicos em situações de tumores específicos. Muitos estudos estão ocorrendo atualmente para avaliar melhores associações destas drogas com os tratamentos convencionais já disponíveis e mudanças podem acontecer nos padrões de tratamento nos próximos anos. 

Se você tem esta doença ou está com receio que possa ter, quem deve procurar?

Um médico otorrinolaringologista ou um cirurgião de cabeça e pescoço pode avaliar a orofaringe e distinguir se realmente há alguma lesão suspeita de câncer. 

Habitualmente, quem conduz qual o tratamento do paciente com câncer de orofaringe é o cirurgião de cabeça e pescoço ou o oncologista clínico, juntamente com o radio oncologista.

Renato Capuzzo
Cirurgia de Cabeça e Pescoço, Cirurgia Oncológica de Seios Paranasais, Cirurgia Oncológica de Base de Crânio, Cirurgia Oncológica de Laringe, Hospital de Câncer de Barretos. renatocapuzzo@gmail.com

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