Organização: Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia – Abrale
O protagonismo das mães periféricas, negras, solos, para proteger o ambiente familiar da COVID-19 em meio ao contexto de desemprego, violência e insegurança alimentar foi iminente durante a pandemia. Mas quem cuida delas diante de uma doença grave, como o câncer? A assistência oncológica precisa garantir a promoção de serviços essenciais para todos, considerando as desigualdades sociais, como acesso à renda, racismo e violência de gênero que assolam a realidade de grupos socialmente vulnerabilizados no acesso à saúde.
Dra. Ana Amélia Almeida Viana, oncologista clínica na Rede D´Or Bahia e no Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia, apresentou dados bastante impactantes.
“Das 11 milhões de mães solo no Brasil, 7 milhões são negras. Entre as negras, 63% enfrentam dificuldades sociais e financeiras. É importante salientar que os pacientes negros correspondem a 67% dos usuários do SUS”.
Ela também comentou sobre as problemáticas enfrentadas para a prevenção do câncer nesse grupo.
“Na população negra, periférica, feminina, não existe tempo para realizar atividades físicas, que são muito importantes para prevenir o câncer, por exemplo. Elas precisam trabalhar, cuidar de seus filhos, da casa, em que momento vão conseguir se exercitar? E as mães solo, que não têm onde deixar seus filhos para fazer o tratamento com quimioterapia, por exemplo, e precisam levá-los aos hospitais? O sistema de saúde está preparado para essa realidade?”, disse.
No Brasil, há muita desigualdade de acesso aos exames preventivos: 68% das mulheres negras fazem Papanicolau, enquanto as mulheres brancas correspondem a 77% dos exames; 9% das mulheres brancas nunca fizeram exame citológico, enquanto das mulheres negras este número sobe para 17%.
Dra. Denize Ornelas, Médica de Família e Comunidade, coordenadora do Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, reforçou que o trabalho com os aspectos sociais e raciais têm o foco principal de atuação deles.
“Nós sabemos que muitas mulheres solo, negras e de periferia enfrentam problemas para fazer mamografia. Elas enfrentam dificuldade, inclusive, para ter suas dores ouvidas. E em muitos casos, no sentido literal. Existe um estereótipo de que as mulheres negras sentem menos dores. É preciso mudar este cenário”.
No painel, algumas pacientes também trouxeram seu relato sobre como ser mãe solo e enfrentar um câncer ao mesmo tempo.
Itaciara Monteiro, paciente de leucemia mieloide crônica (LMC) e representante do Apoio ao Paciente Abrale, comentou que a mãe sempre esteve ao lado dela.
“Minha mãe, que é mãe solo, foi muito forte e batalhou muito pela minha saúde. Depois de enfrentar a leucemia na infância, consegui me formar em marketing e estou terminando enfermagem agora. Eu também sou mãe solo. Trabalho, estudo, tenho uma vida muito ativa. Quero sempre mostrar para a minha mãe e para o meu filho o quanto é possível evoluir, crescer. Ser mãe solo não é fácil, mas sei que consegui dar a volta por cima. Temos que ser protagonistas de nossas próprias histórias”, contou.
Melissa Medeiros, sobrevivente de câncer de laringe e presidente voluntária da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço – ACBG Brasil, também comentou sua experiência.
“Sou mãe solo, de um menino maravilhoso, o Gabriel. Tive câncer de laringe aos 38 anos. Fiquei junto com meu ex-marido por 12 anos. Quando nos separamos, tive que batalhar muito para sustentar meu filho e pagar babá para cuidar dele. Depois de um tempo, encontrei uma outra pessoa, com a qual me casei de véu e grinalda, como manda o figurino. E pouco mais de 1 ano depois, após começar a tossir muito, descobri o câncer. Pensei em anular meu casamento e ele, meu marido, não permitiu. Achei que pudesse morrer, mas observando os esforços do meu filho e o quanto ele precisava de mim, isso me deu forças. Também fui motivada a ajudar as pessoas que estão no SUS, em especial as mulheres que têm câncer de cabeça e pescoço, como tive”, falou.
Cristiana da Silva Gomes, paciente de câncer de mama, contou como foi passar por cirurgias em plena pandemia.
“Faço tratamento de câncer de mama desde 2018 e tive um apoio muito importante do meu filho e família. Fiz sete cirurgias, 9 meses de quimioterapia, e estou aqui, para dizer para vocês que essa doença não é fácil. Quando peguei meu resultado sozinha, fiquei muito triste, nervosa. Só consegui falar para a minha família 6 meses depois sobre o diagnóstico, porque precisava me preparar para isso. Somente em 2020, fiz três cirurgias. Mas eu consegui vencer. Apoiem quem está passando por isso. Durante a pandemia, ficamos somente eu e meu filho em casa. E ele cuidava de mim, me ajudava nos curativos do pós-cirurgia. E eu sempre passava segurança para ele. Eu não desisto da vida, nunca”, finalizou.