Pacientes com câncer de cabeça e pescoço possuem peculiaridades que devem ser consideradas na evolução da doença e seu tratamento: uso crônico e acentuado de bebidas alcoólicas e/ou fumo (portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica – DPOC), relacionamento familiar geralmente deficiente, deformidade facial, perda de funções básicas (mastigação, deglutição, salivação e fala), perda de sensações gustativas e olfatórias, presença de fenômenos depressivos e ansiedade em larga escala, além da diminuição acentuada ou perda da capacidade laborativa.
FISIOTERAPIA MOTORA
Preparo físico, Imobilidade e Fadiga
A fadiga é uma queixa comum entre pacientes com câncer, chegando a afetar até 70% dos pacientes. Estudos que avaliaram a qualidade de vida dos pacientes com Câncer de cabeça e pescoço demonstraram substancial queda da funcionalidade geral dos indivíduos e do estado emocional.
A assistência fisioterapêutica, além de tratar e amenizar, por exemplo: a fadiga, a fraqueza muscular e algumas outras complicações, bem como a prevenção destes sintomas. Por isso a intervenção/abordagem precoce; treinando, condicionando e orientando os pacientes, antes mesmo do início do tratamento específico (quimioterapia e cirurgia, por exemplo), são de notável valia melhorando significativamente as condições físicas para enfrentar o tratamento oncológico.
FISIOTERAPIA MOTORA – Pescoço – Ombro – Face
Todos os pacientes submetidos ao esvaziamento cervical devem receber fisioterapia, na tentativa de minimizar as seqüelas causadas pela manipulação e trauma cirúrgico, especialmente sobre o nervo acessório, resultando em diminuição da amplitude dos movimentos do ombro devido principalmente à paralisia do músculo trapézio. A fisioterapia busca a compensação destas limitações através da mobilização e treinamento de outros grupos musculares, tais como os rombóides e o elevador da escápula.
Recuperação do Movimento de Pescoço, Ombro e Membro Superior
Indubitavelmente, a mais relevante conseqüência da secção do nervo espinhal acessório é a paralisia do músculo trapézio superior.
Nahum et al. In: Cappiello et al. (2005) criaram o termo Síndrome do Ombro para dirigir-se a um quadro clínico constituído por dor e limitação da abdução do ombro, inclinação e protrusão escapular.
O músculo trapézio fornece a sustentação passiva ao complexo do ombro e é um estabilizador importante da escápula. A paralisia ou a fraqueza desta musculatura altera o alinhamento do ombro e o sincronismo durante a execução completa do arco de movimento desta articulação. A síndrome do ombro, além de produzir as alterações citadas no parágrafo anterior, provoca também o fenômeno da escápula alada. McNEELY et al. (2004)
A hipotonicidade do ombro e pescoço está vinculada principalmente à paralisia do músculo trapézio. A incapacidade transitória do trapézio, resultante do dano no nervo acessório e a fraqueza de outros músculos da cintura escapular inervados pelo plexo cervical, cujos ramos podem ser ressecados durante o esvaziamento cervical, prejudicam o equilíbrio das articulações glenoumeral e escapulo-torácica, causando dor e prejuízo funcional das habilidades acima da cabeça, especialmente flexão anterior e abdução vertical a cima de 90o.
A Fisioterapia é recomendada logo no pós-operatório, com o objetivo de manter a amplitude de movimento e a força dos grupos musculares que irão compensar o déficit funcional do músculo trapézio que sofreu paralisia. McNEELY (2004) A mesma é fundamental para recuperar a mobilidade passiva e evitar a ocorrência de fibrose articular diminuindo, assim, as complicações que acometem o ombro e melhorando a qualidade de vida dos pacientes submetidos ao tratamento cirúrgico do câncer de cabeça e pescoço associado ao esvaziamento cervical. SALERNO et al. (2002)
O trabalho de alongamento da região cervical e da cintura escapular deve ser iniciado assim que possível, devendo também fazer parte do tratamento a longo prazo, pois a tendência de encurtamento muscular é grande, principalmente pela falta de movimento ativo em sua amplitude máxima.
Além da amplitude completa, é preciso recuperar a força e a resistência dos músculos do manguito rotador e dos outros músculos da cintura escapular.
Reabilitação Facial
O paciente de pós-operatório de cirurgia de cabeça e pescoço exige cuidados intensivos por parte do acompanhamento fisioterapêutico. Dentre a atuação fisioterapêutica nas disfunções motoras da face, destacam-se a reabilitação da musculatura da mímica que pode ser acometida por linfedema, paralisia facial, trismo e DTM (disfunção da articulação têmporomandibular).
SCHULTZ; SOUZA IN: KOWALSKI et al. (2002),
Dentre os principais objetivos do tratamento das disfunções faciais, está a reeducação muscular, mas para que ela aconteça de maneira harmônica, se faz necessário promover a normalização da sensibilidade e da circulação propiciando também melhores condições para a drenagem linfática a fim de reverter o edema (fator causador da fibrose, ainda agravada pela radioterapia).
Prevenção e tratamento do Trismo
Algumas cirurgias de cabeça e pescoço acarretam o trismo, que consiste na incapacidade de abertura da boca. Tal complicação ocorre pelo fato de os músculos que fazem a oclusão da boca terem cerca de dez vezes mais força do que aqueles que fazem a abertura. O que predispõe ao trismo em pacientes portadores de câncer de cabeça e pescoço são a extensão tumoral (crescimento infiltrativo), a radioterapia e a fibrose pós-operatória.
A incidência de trismo em pacientes pós irradiados e/ou operados por câncer de cabeça e pescoço varia de 10% a 40%. O mesmo afeta significativamente a qualidade de vida diária dos pacientes especialmente para realização de refeições e higiêne oral. (SHULMAN, D. H. et al. 2008).
O tratamento fisioterapêutico do trismo é significativamente necessário para facilitar e assegurar o retorno à função normal ou o mais próxima à ela. A fisioterapia é indicada para o alívio da dor dos músculos têmporomandibulares, para reeducar o sistemas neuromuscular, reestabelecendo a posição de repouso e coordenação muscular, a dinâmica normal nos casos de assimetrias funcionais, a mobilidade condilar normal bem como o equilíbrio normal da relação crânio-caudal.
As técnicas fisioterápicas utilizadas nos quadros de trismo são: técnicas de massagem, exercícios e alongamento, com o objetivo de liberar aderências, restaurar movimentos faciais e melhorar a circulação, propiciando um aumento da amplitude articular da mandíbula, os exercícios exigem muita cooperação e dedicação por parte de doente. (LO, L. et al, 2008)
O foco do tratamento fisioterapêutico está primariamente na redução do quadro inflamatório, da dor e dos espasmos musculares na região da ATM , em seguida, na tentativa de restaurar a biomecânica articular normal, além de harmonizar as relações entres os tecidos moles da região.
Habitualmente algumas ferramentas são utilizadas como incentivadores da amplitude de abertura da boca e aumentam a eficácia dos exercícios fisioterapêuticos bem como aceleram o processo de reabilitação. São eles: tampões de borracha, espátulas de madeira (abaixadores de língua), dispositivos manuais facilitadores da dinâmica de abertura da boca (figura abaixo).
Controle do Linfedema de Face
O Linfedema de face surge normalmente após a cirurgia de dissecção cervical e/ou após irradiação dos linfonodos cervicais e supraclaviculares devido a tumores malignos de cabeça e pescoço. Tal complicação provoca prejuízos na fala e deglutição e o comprometimento da cicatrização do local operado. HERPERTZ, U. (2006).
O linfedema é uma patologia incapacitante e indesejada após o câncer/esvaziamentos linfáticos, pois evidencia para o paciente a existência de uma doença oncológica previa e, do ponto de vista psicológico é a patologia que mais pode provocar medo e traumas nestes pacientes. “No plano funcional o linfedema representa limitação em certas atividades, incômodo pela fadiga e dor”.
O método mais indicado para a redução do linfedema de face, segundo a Sociedade Internacional de Linfologia, é a Terapia Descongestiva Linfática, a qual apresenta a Drenagem Linfática Manual (DLM) como um dos seus principais componentes, com o objetivo de direcionar o edema para vias que se mantêm íntegras após as incisões cirúrgicas, podendo então, ser reabsorvido.
Tem-se portanto como consenso para a prevenção e o tratamento do Linfedema condutas primárias, tais como: cuidados com a pele (prevenção de quadros infecciosos), cinesioterapia (exercícios/contração muscular), DLM. BANU, A. et al. (2007).
Tratamento da Paralisia Facial
O nervo facial também á acometido durante procedimentos cirúrgicos, sendo normalmente lesado durante as parotidectomias e ressecções do osso temporal, o que resulta em paralisia ou paresia dos músculos da hemiface homolateral à lesão e alteração importante da auto-imagem.
No tratamento da paralisia facial, os principais objetivos são: eliminar o quadro inflamatório, normalizar bilateralmente o tônus da musculatura facial e fortalecer os músculos agredidos.
As demais abordagens fisioterapêuticas são eleitas no processo de recuperação das implicações funcionais. A termoterapia pelo calor prepara a terapia, relaxando a musculatura da hemiface sã e promovendo analgesia em um possível quadro álgico na hemiface acometida. Em seguida, a massagem visa a preparação para a cinesioterapia, buscando principalmente o relaxamento da hemiface sã. Como forma de abordagem cinesioterapêutica, a facilitação neuromuscular proprioceptiva é a mais indicada, uma vez que fora criada para lesões de neurônios periféricos. Em formas mais avançadas de lesão, com ausência de melhora do quadro nos dois primeiros meses, a eletroterapia torna-se necessária. Esta modalidade terapêutica utiliza a corrente elétrica com finalidade de manter o trofismo muscular e, promover um treinamento proprioceptivo e cinestésico.
As orientações domiciliares serão coadjuvantes ao tratamento ambulatorial. O paciente deve estar ciente principalmente dos cuidados com a exposição da córnea e, a realização de alguns exercícios simples em frente ao espelho, visto que estes tornarão mais rápida a recuperação.
Conteúdo escrito pela fisioterapeuta Luana Dias
Fisioterapeuta do Centro de Pesquisas Oncológicas – CEPON/SC (2007-2014)
Formada pela Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC
Especialista em Fisioterapia Oncológica
Especialista em Disfunções Têmporo-Mandibulares
Especialista em Acupuntura
Formação em Fisioterapia Complexa Descongestiva / Linfoterapia
Formação em KinesioTape Linfático / Linfotaping
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