Artigos, Depoimentos, Rede+Voz

G20 Social!

Pois é… fui parar na reunião do G20 Social!

De repente me surge um convite para compor uma mesa do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para falar sobre o papel do controle social como fator de inclusão na saúde bucal do SUS.

Controle Social… alguma coisa que eu tinha estudado lá atrás para fazer uma prova de concurso, Lei 8142/90… mas algo que ficou perdido na memória depois da prova. Para mim, estar na rede pública de saúde se referia a chegar no horário no posto, atender os meus pacientes da melhor maneira dentro das condições e cumprir as minhas 8 horas de trabalho diárias. Dentro da minha ignorância, este era o meu papel.

Quando um dia me vi na condição de ter que atender pacientes oncológicos, percebi que aquelas 8 horas não eram suficientes para compreender a dimensão do problema. Incorporar na minha vida a realidade de que o tratamento do meu paciente não estava na minha mão me incomodava e eu precisei me reinventar como profissional.

Foi no ano de 2018, em um congresso de estomatologia da SOBEP, no Rio de Janeiro, que comecei efetivamente a entender o panorama do câncer bucal e percebi o quanto eu tinha que aprender. Já era final de julho, eu tinha voltado para casa certo de que estava na hora de voltar a estudar algo que desde a minha formatura, nunca fez muito parte da minha vida profissional. E entre buscas e pesquisas de internet me deparo com o termo “Julho Verde”, mês de conscientização sobre o câncer de cabeça e pescoço. E entre as tantas respostas à pesquisa sobre o tal Julho Verde, me deparo com a Associação de Câncer de Boca e Garganta (ACBG).

Com uma proposta clara e direta de prevenção ao câncer de cabeça e pescoço, no qual o câncer bucal se insere, mantive um contato discreto por algum tempo, comprando camisetas da campanha a cada ano “para ajudar a causa”, sem saber que era eu quem logo seria ajudado.

Em um determinado dia de 2022, toca o meu telefone. Um número desconhecido, que eu geralmente não atendo, mas que por alguma razão, nesta ocasião. Uma ligação da ACBG…

-Oi Caio, como vai? Sou da ACBG (se não me engano foi a Daniela quem me ligou) e gostaria de te fazer um convite. Teremos um evento em Brasília chamado ENREV e gostaríamos que você fosse.

A minha família não me convida para aniversários, e de repente recebo um convite para ir para Brasília??? Mas algo me dizia que eu deveria ir, e fui…

Se você estiver neste momento ainda lendo este texto e se perguntando o porquê de eu estar dizendo tudo isto, a resposta é simples. Foi aí que eu entendi o que significa “participação social”.

Nunca me esquecerei do primeiro abraço que recebi da Melissa, presidente da Associação, com um sorriso no rosto como se ela me conhecesse por anos. Mas ao meu redor, eu vi os grandes protagonistas de toda a história. Entre tantas pessoas, muitas estavam ali, com um adesivo no pescoço, se apresentando para mim e eu, vergonhosamente, muitas vezes não consegui entender, mas sorri em forma de retribuição morrendo de vergonha.

Foi neste momento que eu percebi que nada ali se referia a mim. O orgulho de ter sido convidado para um evento se transformou no choque de realidade que eu precisava para deixar de lado o meu lado dentista, para trazer à tona o meu lado ser humano. E foi aí que eu percebi que eu não sou nada. Que eu não estava ali para falar, mas para ouvir. O princípio básico para quem quer fazer a inclusão social.

Por isso, estar na reunião do G20 falando de controle social, me remeteu a um momento onde a minha vida passou a fazer sentido, quando passei a escutar mais do que falar e compreender que o problema e a dor do próximo tem tanta ou mais importância do que a minha. 

Quando eu incorporei isto em mim e mudei a minha linha de pensamento, recebo da Melissa, um convite para tentar fazer parte da Comissão Intersetorial de Saúde Bucal do Conselho Nacional de Saúde. Confesso…. eu não sou político, não tenho competência para a política, mas pela primeira vez tive a sensação de que eu poderia, minimamente, fazer a diferença na vida de alguém. Olhei para trás e me recordei de quem tinha me levado até ali. E era o meu momento de, ao menos, tentar retribuir. 

Em um ano de CISB, foram inúmeras as tentativas de colocar o câncer bucal como pauta de discussão. Sempre fui ouvido, minhas ideias acolhidas, mas a pauta não entrava. É necessário dizer que a quantidade de pautas é imensa e eu não poderia achar que logo de cara eu conseguiria o que eu queria. Hoje vejo que só não era a hora. 

Quando, agora em 2024, insistentemente, me chamaram mais uma vez para o ENREV, tivemos a grata surpresa com a formação do Grupo de Trabalho de Odontologia, onde pudemos nos debruçar e discutir as nossas demandas desta área de atuação, entre elas a questão de acesso, tratamento e também a reabilitação bucomaxilofacial.  

E qual não foi a minha surpresa quando recebi que o câncer bucal seria a pauta de nossa reunião e que eu deveria propor as discussões. Era hora de fazer acontecer… Entre mil ideias, uma foi clara. Uma mensagem de Whatsapp, uma ligação e a Dra. Roberta Zanicotti embarcou nesta empreitada comigo. Muito se fala sobre o câncer bucal, mas todos se esquecem que por trás do paciente mutilado pelo seu tratamento, existe alguém que quer voltar a sorrir e fazer parte do seu convívio social. Era hora de abordarmos também a reabilitação de nossos pacientes.

Foi uma reunião fantástica, com uma discussão rica e intensa sobre um assunto que a odontologia atual vem deixando de lado. O foco é a odontologia das redes sociais com suas reabilitações estéticas, mas nós fomos ouvidos. O que viria a partir daí, para mim era um mistério. E de repente me chega a informação de que as discussões da nossa reunião resultaram em duas recomendações para serem apreciadas pelo pleno do CNS. E ambas foram aprovadas.

E o que isto tudo tem haver com a conversa do G20? Tem que esta foi a história que eu usei para poder falar de controle social. Foi o reencontro com o meu passado, onde passei a escutar cada pessoa, cada paciente, seus medos e suas angústias, que me fizeram entender o papel da participação social. Não sei o que acontecerá amanhã, e ainda que ninguém lembre, eu sei que consegui traduzir as necessidades de cada paciente que eu escutei em algo que, eu espero, irá render frutos.

Estar na reunião do G20 falando sobre o controle social não tinha nada sobre mim, mas sobre cada um que nesta jornada de ACBG Brasil me deram preciosas aulas de respeito e cidadania. Eu só contei a história de cada um de vocês e sou grato por tudo.

Caio Loureiro – Cirurgião-dentista
Voluntário da ACBG Brasil na Rede+Voz


Veja a publicação do tema em nosso instagram!

Compartilhe este post

Menu