Segundo o INCA (Instituto Nacional do Câncer), estimam-se no ano de 2016 11.140 casos novos de câncer da cavidade oral em homens e 4.350 em mulheres no Brasil. Eu sou um desses casos, vivendo nesse momento o impacto do tratamento oncológico, sofrendo com os efeitos da rádio e da quimioterapia. Esses procedimentos incluem uma forte carga de radiação diária e ciclos semanais de um medicamento chamado cisplatina. Juntos eles promovem a eliminação de prováveis células cancerosas que a cirurgia não pôde alcançar. Por outro lado, geram vários problemas de saúde, no meu caso, uma maior anemia e problemas na boca como mucosite e a redução da mobilidade da mandíbula. Sinto-me pouco disposto e nos dois dias após a quimioterapia praticamente não saio da cama. Continuo me alimentando apenas pela sonda nasoenteral e já perdi dez quilos. Como já havia anunciado para vocês, isso tudo era esperado e está sob controle. É parte do tratamento oncológico viver esses altos e baixos, o que exige que o paciente resgate toda sua capacidade de resistência, autocontrole, resiliência e foco.
Tenho aprendido muito com essa experiência. Primeiro, diferente do primeiro câncer em 2007, dessa vez estou totalmente integrado ao CEPON e usufruindo de uma perspectiva de atenção multidisciplinar de tratamento oncológico, com diversos tipos de terapias, apoios e tratamentos. Isso consolidou em mim um conceito de promoção de saúde interdisciplinar e me fez acreditar ainda mais na importância do SUS. Segundo, por consequência dessa imersão maior no CEPON, convivo muito mais com pessoas na minha condição de paciente. São várias as histórias que estou colecionando nesse contato com meus pares. Sinto-me, por exemplo, privilegiado por morar próximo ao CEPON quando vejo que boa parte de meus pares vem de ambulância de outras cidades e após fazerem a rádio e a quimioterapia ainda tem que seguir uma longa viagem. Comovo-me com o drama de pessoas que mesmo parecendo comprometidas com o tratamento, escapam pelos cantos do CEPON para fumar escondidas. Especialmente, tenho visto como cada pessoa vive o câncer dentro de seu sistema de crenças (e descrenças), como há questões de gênero, de classe, de deficiência e de religião que constituem essas experiências singulares.
Percebo a forte hierarquia entre médicos e não médicos, mas reconheço que também os médicos estão sobrecarregados e fazem um trabalho de excelência mesmo sem as condições ideais. Surpreendo-me com profissionais não médicos que a despeito de não serem tão reconhecidos e valorizados investem pesadamente em sua formação e se dedicam integralmente aos pacientes. Assim, cultivo cada vez mais um sentimento de gratidão por tudo que esses profissionais tem me proporcionado de cuidado, atenção e de recursos para seguir adiante.
Nesse momento, sinto que o mais importante é me preservar e fazer todo o possível para que nas quatro ou cinco semanas seguintes eu consiga concluir essa etapa e iniciar a reabilitação com mais força. Tenho certeza que com todo esse amparo profissional e o apoio dos amigos e familiares poderei sair dessa e recuperar plenamente minha saúde.
Agradeço as mensagens de apoio que tenho recebido! Embora muitos tenham me chamado de “guerreiro”, “exemplo de superação” não é assim que me sinto. Compreendo como uma experiência inerente à vida, pelo menos à minha vida, e tento transformar num momento de repensar minhas escolhas, meus princípios, provar parte de meu conhecimento, ler livros sobre música sempre deixados para trás, ficar pouco mais com minha família. Nem tudo consigo dar conta, mas vivo dentro de meus limites e possibilidades, o que já é um grande aprendizado. Sinto falta de muita coisa, mas sei que é algo temporário e que há caminhos para retomar as coisas que gosto de viver e, se não, sei que sou capaz de descobrir outros prazeres e formas de realização pessoal.
Por ora é isso, deixo um grande abraço a você amigo ou familiar que se interessou em saber como estou e como me sinto hoje.
por Adriano Nuernberg