A radioterapia é um dos três pilares do tratamento do câncer, junto com a cirurgia e a quimioterapia. Sua aplicação nos tumores de cabeça e pescoço é ampla, tanto no tratamento radical e curativo, quanto nos casos onde o objetivo principal é o controle de sintomas e melhora da qualidade de vida.
No Brasil infelizmente o acesso a radioterapia ainda é ruim, com uma disponibilidade insuficiente em número de equipamentos e uma distribuição geograficamente heterogênea. Os serviços de radioterapia estão concentrados nas capitais dos estados e prioritariamente nas regiões sudeste e sul, dificultando a logística para tratamento para pacientes que não vivem nesses locais. A Sociedade Brasileira de Radioterapia fez um estudo do deslocamento dos pacientes para tratamento de radioterapia no Sistema Único de Saúde (SUS) e identificou que o deslocamento médio para tratamento é de 72km, com situações que ultrapassam 1400km, como é o caso de pacientes de estados que não tem equipamentos de radioterapia como Roraima e Amapá. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a recomendação é de um acelerador linear, equipamento que faz a radioterapia, para cada grupo de 300.000 habitantes. Nessa métrica, temos um déficit de quase metade das máquinas disponíveis, segundo o censo do Ministério da Saúde de 2018 onde foram levantados 363 equipamentos no Brasil. Outro aspecto relevante é que metade destas máquinas que atendem o SUS, estará obsoleta em 2021, ainda com capacidade de tratar pacientes mas com baixa tecnologia e risco considerável de operação por conta de falta de peças e manutenção.
O Governo Brasileiro vem estabelecendo iniciativas para tentar melhorar o problema como o exemplo do Plano de Expansão da Radioterapia no SUS, onde programa a instalação de 100 novos aceleradores lineares. O Projeto iniciou em 2012 e até março de 2020, somente 22 soluções foram entregues. Além de problemas de ordem administrativa e operacional, a complexidade da radioterapia é um dos fatores que explica a dificuldade de se alcançar resultados de curto prazo. A SBRT está conduzindo um projeto juntamente com a Fundação Dom Cabral para buscar soluções para a radioterapia até o ano de 2030, considerando que as inciativas, pela complexidade do setor, devem ter um horizonte de solução de longo prazo. Esse estudo deve ser publicado em novembro de 2020.
A tecnologia para o tratamento do câncer de cabeça e pescoço evoluiu bastante nos últimos anos. A radioterapia de intensidade modulada (IMRT), técnica que permite que se controle a distribuição de dose de forma personalizada entre o alvo e os tecidos sadios, trouxe uma outra perspectiva de resultados, principalmente na redução dos efeitos colaterais. Efeitos esses que impactam muito na qualidade de vida dos pacientes curados, a exemplo da secura na boca (xerostomia). A técnica está disponível na saúde suplementar desde 2014. No SUS, a mudança dos códigos de cobrança em fevereiro de 2019 permite agora o seu uso, apesar do reembolso estar muito distante do custo. Em linhas gerais a média de reembolso do SUS para radioterapia cobre metade do custo. Essa é uma das razões do sucateamento do parque de equipamentos, e da heterogeneidade de assistência entre serviços com orçamentos adicionais e serviços que dependem exclusivamente da remuneração pelos tratamentos. Do ponto de vista de capacidade tecnológica, o censo do MS contabilizou 57% dos serviços nacionais com capacidade para IMRT e 40% dos que tratam também pacientes do SUS.
O desafio ainda é muito grande na sustentabilidade, no acesso e na qualidade de tratamento. Estamos com uma grande expectativa que os resultados do Projeto RT2030 possam ajudar aos legisladores e ao mercado de radioterapia de maneira geral a se organizarem para que até o final de 2030, todos os pacientes que precisarem de radioterapia no Brasil tenham acesso a tratamento, principalmente a tratamento com qualidade.
(Fontes: Ministério da Saúde, Relatório – Censo da Radioterapia, SBRT)
Dr. Arthur Accioly – Presidente da Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT)